Maria e o Menino |
"... Hoje é Natal. Falemos, portanto, não do Cristo da história, mas da criança - semente de sol - que acaba de brotar. No miolo do tempo do mundo, uma criança acaba de nascer. O boi, o burro, o feno, a manjedoura, a gruta, o pai, a mãe, a estrela. Os espaços infinitos. A doçura da noite. O sofrimento da carne que dá à luz do mundo a luz do mundo.A criança que acaba de nascer é a luz do mundo. Não a busquemos no passado remoto, começo de era. Busquemo-la ao alcance da mão. Neste momento, uma criança acaba de nascer. Dezenas, centenas, milhares de crianças acabam de nascer. Os frutos dourados do prazer da carne, desta carne a quem a Criança Eterna investiu de uma dignidade infinita. O corpo, a carne, a comida o concreto vigor do abraço, onde Deus fulge. Fúlgida luz. Tudo é uma beleza.
É uma beleza que se faz. Deus se constrói, doridamente, com as mãos, as ferramentas, disciplinada carpintaria. O carpinteiro José. Maria, dona de casa. O aprendiz carpinteiro, menino Jesus, trabalha com as mãos, fabrica seus barcos, seus arcos. A criança. A flor. O fruto. A grande empreitada cósmica se encorpando, complexa, através de milhões, bilhões, trilhões de anos. Toda criança é um deus que nasce. Tecido, tapete trançado, espessura carne feita de tantos, tantos fios. Tantas fibras: luz, treva, espaço, tempo, energia, matéria, matemática, a palavra. O Cristo que nasce é uma criança que nasce. Deus que explode, bendito fruto do vosso ventre, ave, Maria. Somos deuses, por decreto de uma criança que nasce. Carregamo-la conosco: nosso centro. Entre quedas, desistências, covardias e grandezas, somos deuses. Há uma criança divina, em nós, que quer nascer. A insofrida antemanhã. Qua a cada momento a ajudemos a nascer. A incessante maiêutica. O parto, na agonia, do Caminho, da Verdade e da Vida. Por mão do mestre Jesus, carpinteiro, companheiro, pescador de peixes e de homens. Lúmen."
Trecho do livro:
"Meditação de Natal" de Helio Pellegrino, Editora Planeta.